Ponto e vírgula

Maria Morena Gomes
3 min readMar 15, 2023

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Gosto de gente que escreve como fala porque fala como se tivesse escrevendo um texto na cabeça. Eu mesma já não sei mais escrever desse jeito, principalmente porque me preocupo muito com a forma, entendo ela como parte do conteúdo, e me perco nos detalhes. Então pontuo, coloco vírgula demais, às vezes ouso ponto e vírgula. Perguntei em uma aula de redação se eu deveria usar ponto e vírgula e professor disse NÃO, só se você quiser dar uma pausa mais longa que a vírgula e menor que o ponto. Mas eu já tô na graduação.

E essa graduação me arranca parágrafos o dia todo, todos os dias a tarde, me faz pensar em como ser sucinta, em como fazer caber todas as informações, porque ninguém quer a bagunça que é sua escrita sem prioridade e, sobretudo, sem pontuação. Então eu trabalho e trabalho e trabalho para tirar toda a pessoalidade do meu texto, que agora nem é mais meu, é só uma exposição do que quiseram que o meu texto fosse. Para que mais tarde me leiam e me digam EI EI EI acho que você escreve muito sem você, acho que seus textos não tem identidade, e talvez não tenham, por que eu gostaria que eles tivessem EU entranhado em toda e qualquer palavra que eu digito?

E se não tem o EU, então o texto se torna mais um texto que você pode ler, ouvir, ver, sem pensar que a falta de pessoalidade é um estilo, porque estilos só surgem quando alguns EUS assinam. Então talvez eu deva parar de assinar, talvez eu deva arrancar meu nome do topo ou do fim dessa página, eu realmente não sei o layout, para que você goste do que eu decidi falar sobre, do que eu me dediquei para falar sobre, ainda que você não saiba que eu sou esse EU que não assinou. Esse EU pretensioso que assume toda e qualquer cópia de forma, mas jamais de conteúdo e que logo depois te diz que os dois são uma coisa só.

Gosto de gente que escreve como fala porque gosto de imaginar a singularidade da pessoa falando por ela, porque gosto de prestar atenção nos movimentos da boca, nos trejeitos dos olhos e nariz e mãos, que falam junto da pessoa, que dispensam ponto e vírgula, que dispensam pontuação qualquer. Gosto porque a singularidade traz entonação, e então o texto se transforma em algo que eu escuto, mas que não necessariamente quero ver. E aí as pausas entre a vírgula e ponto se tornam longas inspirações e expirações, porque pessoas respiram, mas palavras não.

Como resolver, então, essa repetição de conjunção coordenativa conclusiva e esse desespero de escrever como se diz sem que saibam que sou eu que escrevo? Não resolve, continua fingindo ser esse amontoado de pesquisa, organização, excesso de vírgula atrelado ao nome que designa EU, que não me exclui, ainda que eu tente, ainda que me forcem, que não me remove de algo que saiu de mim.

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Maria Morena Gomes

Aspirante a jornalista, leitora assídua e escritora um tanto medíocre. @morenagomesg